sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016


Quando, no arranque do Séc. XXI, os islandeses Sigur Rós, foram entrando nos nossos sonhos, em Portugal, havia uma espécie de seita secreta que os escutava com devoção religiosa e secreta como quem procura guardar para si o tesouro mais precioso da humanidade. Como guardiões que os protegiam das massas, glorificando a pureza árida daquele som, foram-se multiplicando, incapazes de esconder "Agaetis Byrjun" da superfície do nosso território. Para trás já havia "Von" e "Von Brigôi" que apenas chegariam até nós mais tarde. Nós os profanos.
Isaiah Berlin disse uma vez: "Quando os anjos tocam para Deus, eles tocam Bach; entre si, tocam Mozart". Isaiah não conheceu os Sigur Rós, caso contrário, provavelmente concordaria que em matéria celestial, eles constariam na playlist angelical com a mesma carga demoníaca com que Mozart cativava as pequenas criaturas. Isaiah talvez concordasse que os Sigur Rós são a banda mais importante do Séc. XXI, até ao momento, pelo menos.
Em 2001, Jónsi e os seus anjos aterraram num CCB quase esgotado para ouvir algo que era quase incompreensível. Os próprios inventores do hopelandish não eram capazes de explicar ao comum mortal de onde surgiam os sons que fabricavam. A sala transbordava de expectativa e de uma estranha reverência a uns músicos alienígenas que, julgo, ainda existiam apenas na cabeça de uns quantos. Seriam palpáveis?
Na altura, Jónsi era um miúdo assustado por ter sido o escolhido para trazer a mensagem divina. Não enfrentou o público com o olhar, sempre que pôde voltou-lhe as costas, e foi soltando notas atrás de notas, sons atrás de sons, fazendo o público ficar à beira de uma explosão emotiva incontrolável. A música era quase inatingível, invadia a alma, a mente, levava ao choro, à vertigem, à miragem e a um sonho profundo de onde ninguém queria acordar.


Foram duas horas de culto, onde nem os sacerdotes pareciam escapar ao transe. Os sigur Rós não acreditaram no que tinham acabado de fazer, nem o público conseguia verbalizar a ideia de que eles existiam para além do som, para além de uma figura divina que existe mas não se vê; como Deus, ou os anjos. Silêncio, completo silêncio na sala. O concerto acabou e durante dois, três minutos, o público não conseguiu recuperar, voltar a pisar terra firme e o silêncio manteve-se - provavelmente Jónsi terá pensado, por uns segundos, que a sua música havia falhado rotundamente. Em décadas de concertos, não me lembro de alguma vez ter acontecido semelhante, tal como não me lembro de ter visto algo melhor. Terá sido o concerto da minha vida e da vida de muita gente.
Desde 2001, a capacidade criativa dos Sigur Rós manteve-se, proliferou para artes que estravasam a música, aquela música que, se quisermos simplificar, não é mais do que traduzir em pauta o divino e o terreno, explicar o que é ser islandês, de uma forma que nem Bjork conseguiu. Depois de Sigur Rós eu sei o que é ser islandês, eu sou islandês porque o sinto. Mas Jónsi cresceu, habituou-se à fama da sua música e da sua figura, lidou com a indústria e a história alterou-se um pouco. Há um depois de "Takk" (2005) e um antes de "Takk". Os Sigur Rós perderam inocência, tocaram a terra com os pés e, pior que isso, o Mundo descobriu-os e quase os devorou. São divinos mas já incorporam pecados. Ainda assim...


Os Sigur Rós foram confirmados no "Primavera Sounds", o único festival que, em Portugal, verdadeiramente, continua a faler a pena (e disto falarei outro dia). Será, muito provavelmente, um fiasco. Eles são uma banda indoor, demasiado intimista, para convencer um público de massas, sedento de muito em pouco tempo, de cerveja, de selfies e euforias laterais. Nunca serão os Sigur Rós capazes de silenciar, de explodir almas como quem sopra um dente de leão. Será um fiasco, como foi Anthony & The Jonhssons na edição passada. A figura delicada de Anthony foi lançada na arena e devorada por uma multidão sem tempo para ouvir o sangue a correr nas veias, o choro de um coração sofrido ou a desilusão de um Mundo negro. Anthony e Jónsi são feitos da mesma matéria e o público, aquele público enfurecido e sequioso não lhes perdoa a audácia de levarem para palco aquele belo que não é o belo que quem chega cedo para ouvir PJ Harvey ou The Nationals costuma procurar.
Elefantes numa loja de loiças...





1 comentário:

  1. Não conhecia, aliás, como é normal numa profana como eu. Curiosamente, hoje alguém me despertou a curiosidade sobre eles e já os fui espreitar no Youtube, de facto, também fiquei com a sensação que a sua sonoridade não encaixa minimamente num formato "festival"...
    A ir, irei pela PJ Harvey :)))

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