quinta-feira, 28 de abril de 2016

Esse Mundo lá longe

O último ano do Tua



Os portugueses, actualmente, são um povo com pouco Mundo. Parece que esta é uma afirmação incongruente, uma vez que cada vez se viaja mais, cada vez se emigra mais e o acesso é grande. No entanto, a verdade é que as viagens são, maioritariamente, para destinos de férias onde o pacote de "tudo incluído" ou os resorts escolhidos a dedo impedem, sempre, que o Mundo lá fora seja observado tal como é, tal como existe fora da bolha turística que, por cá também criámos para estrangeiro ver. Emigrando, as tacanhas necessidades de procurar a comunidade lusa e por aí encontrar o abraço, o apoio e o que faz falta, leva a que 40 anos de França, Luxemburgo ou Suiça, não cheguem para saber que países são aqueles fora das ruas dos "litle Portugal" espalhadas por aí. 

Os portugueses têm pouco Mundo e pouco país. Tirando as romagens ao Algarve ou à Serra da Estrela. Esquecendo os hotéis e montes alentejanos ou uma almoçarada "a norte", os portugueses não olham à volta e vivem o bairro, o bairrismo, os olhos no chão e a corrida para o metro. Vê-se umas coisas na televisão, uma espécie de realidade distante que lhe é colocada ao mesmo nível de uns longínquos refugiados bi-dimensionais.


Afirmar que o Douro, ou o Alto Douro Vinhateiro estará entre as dez regiões mais bonitas do Mundo é uma aformação que poderá ser feita por alguém que tem pouco Mundo. Assumo. Mas é. É também aquela região que demonstra bem a falta de Mundo dos portugueses que, de lá, pouco sabem, pouco conhecem e, diga-se, pouco se importam. "Tem vinho do Porto e um comboio, e depois?", imagino que se diga. Dessa forma, não será de estranhar que um qualquer Domingos Sequeira, fruto de uma campanha de marketing vitoriosa, tenha conseguido amealhar 600 mil euros para comprar um quadro que residirá, claro, em Lisboa, no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). Os portugueses, empresas incluídas, "comeram" a campanha, alimentaram-se nas televisões e primeiras páginas dos jornais e colocaram a "Adoração dos Magos" numa parede de onde dificilmente voltará a sair e será vista por uns milhares/ano. "Obrigado", regista o jornal Público, os portugueses mobilizaram-se.

A barragem do Tua continua a ser construída, mergulhando de forma incontornável um Património Mundial da UNESCO, composto por tamanha diversidade cultural que, digamos, apenas uma linha e um comboio bastaria para ofuscar qualquer Domingos Sequeira mas o que vimos, sobre o tema? Fogachos de pólvora seca que acabaram rapidamente. Os portugueses, as empresas, a comunicação social e o marketing estão longe; chegar ao Alto Douro dá trabalho, o MNAA fica ali mesmo, basta apanhar o metro. Propositadamente, deixo de fora os políticos e agentes culturais responsáveis, deixo de fora a EDP e empresas do ramo, igualmente pelo mesmo motivo: a acefalia vigente retira-os de qualquer equação que pretenda soluções ou evoluções; tratam-se de variáveis apenas utilizáveis em matérias ligadas a ficção científica ou semelhantes.


Pouco dado a petições ou crowdfundings, não resisti, no entanto, a deixar aqui o link (http://ultimoanodotua.pt/) de uma causa. Prefiro-a a Domingos Sequeira ou a qualquer petição sobre touradas. Prefiro-a porque, para mim, tipo de pouco Mundo, esta é a mais importante causa cultural das últimas décadas. Não espero grandes resultados, mesmo após a leitura, a vida continua, não há tempo. E depois "o Tua fica lá longe, a Síria também, e amanhã tenho que acordar cedo...". "É das regiões mais lindas do Mundo? Um destes dias passamos lá num fim-de-semana alargado..."

1 comentário:

  1. Uma região que conheço muito bem. O que mais me entristece é que as populações daquela zona são as primeiras a querer a construção da barragem! Ninguém se importa com a paisagem ou com o que quer que seja, o que interessa é o lucro que podem tirar dali! Só não entendo se a humanidade chegou até hoje sem a barragem e tendo em conta que até há 30, 40 anos atrás aquelas aldeias tinham uma densidade populacional que em nada se compara à de hoje e viveram sempre sem a barragem, porquê a necessidade da mesma?!
    Mas, como em tudo o dinheiro fala sempre mais alto!
    (petição assinada)

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