domingo, 3 de abril de 2016

Fichas na mesa

 A sujidade de Marta e o precipício de Maria



O cenário musical português raramente muda muito. Fases de maior e melhor produção sucedem-se a outras inversas, no entanto, as revoluções nunca são profundas e longe vão os tempos em que um Chico Fininho provocava um vendaval imenso nas sonoridades que irrompiam pelos anos 80 do século passado.

Hoje não há bandas a sério ha, dizem eles, projectos, porque o voracidade dos tempos impede que existam bandas que lutam por um lugar ao sol e insistem no que acham estar certo; agora se não cola passa-se ao projecto seguinte.


Ainda assim, é bom reconhecer alguns nomes contemporâneos na música nacional em quem vale a pena apostar muitas ficas; não todas porque o risco é tão grande como aquele que corri quando garanti a pés juntos que  Norah Jones e Joss Stones eram ganhos garantidos. Não foram, o talento está lá os percursos perderam-se. Por outro lado, já me arrependi em ter apenas sussurrado futuros sem ter empurrado as fichas para a mesa. Clã ou Amy Winehouse foram sussurradas mas o pé manteve-se atrás.

Actualmente há dois projectos nacionais que acompanho religiosamente e em que coloquei um balde cheio de fichas: Mirror People e Marta Ren & The Groovelvets. Antes de tudo por duas vozes femininas que considero serem as melhores e mais surpreendentes do momento; Marta Ren e, no caso dos Mirror People & The Voyager Band, de Maria do Rosário. E ambas vão além das vozes, mergulham na postura e presença quase perfeitas para encabeçarem estes... projectos.



Se Marta Ren já tem muito caminho para trás, desde os Sloppy Joe, mantendo-se quase sempre fiel a um soul-funk continuamente melhor tema após tema, já Maria do Rosário abraçou os Mirror People quase por acaso e pelo ouvido clínico de Rui Maia (X-Wife) o inventor de um projecto que, pelo feitio irrequieto de Maia, temo poder não resistir ao tempo. Mas Maria do Rosário resistirá, neste ou noutro modelo, é disso que precisamos.

Marta Ren e Maria do Rosário são, assim, as minhas apostas para um futuro próximo e risonho que nos fará acreditar que nem tudo é marasmo em tempos de projectos tão curtos como arrojados, muitas vezes demasiado curtos e arrojados para que consigam maturar e criar o suficiente calo no nosso ouvido.



Sobre o mais recente trabalho de Marta Ren & The Groovelvets, o "Stop, Look & Listen", o jornal Público dizia, há tempos, em título que "a soul de Marta Ren é suja, grande e gorda". Na verdade o processo criativo que envolveu a procura dessa sujidade, quase vinílica, foi moroso mas valeu a pena e culminou com um disco onde Marta mostrou que só há um caminho: a Daptone Records, ninho único da soul, tal como a BlueNote dá guarida ao jazz e a Deutsche Gramophonne acolhe a clássica - lembram-se das salvações chamadas 4AD, Factory e até Ama Romanta?. O "Stop, Look & Listen" é proposta regular nas rádios internacionais, sobretudo, as de raíz soul-funk, mas falta um raide aos EUA ou um nome-chave que a "adopte"; Charles Bradley seria o sonho.

Já "Voyager", onde nasce Maria do Rosário, é resultado da constante instabilidade de Rui Maia que, um dia, quis escrever músicas para a pista de dança; já ninguém as faz. Maria do Rosário foi a voz que ele precisava e depois de "Voyager", passou a ser a voz que os Mirror People precisam e nós queremos. Rui Maia não precisa que o adoptem, Maria também não, mas seria bom que, como Josh Stone e Norah Jones, os percursos não se perdessem, os projectos não se sucedessem de forma tão vertiginosa que deixassemos de dar por ela, algo difícil de suceder.

 

1 comentário:

  1. Tenho especial simpatia pela Marta Ren e, dentro do género, acho que Tamin Santos (Cais Sodré Funk Connection) e Mimicat também têm uma palavra a dizer :)))

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