O cenário musical português raramente muda muito. Fases de maior e melhor produção sucedem-se a outras inversas, no entanto, as revoluções nunca são profundas e longe vão os tempos em que um Chico Fininho provocava um vendaval imenso nas sonoridades que irrompiam pelos anos 80 do século passado.
Hoje não há bandas a sério ha, dizem eles, projectos, porque o voracidade dos tempos impede que existam bandas que lutam por um lugar ao sol e insistem no que acham estar certo; agora se não cola passa-se ao projecto seguinte.
Ainda assim, é bom reconhecer alguns nomes contemporâneos na música nacional em quem vale a pena apostar muitas ficas; não todas porque o risco é tão grande como aquele que corri quando garanti a pés juntos que Norah Jones e Joss Stones eram ganhos garantidos. Não foram, o talento está lá os percursos perderam-se. Por outro lado, já me arrependi em ter apenas sussurrado futuros sem ter empurrado as fichas para a mesa. Clã ou Amy Winehouse foram sussurradas mas o pé manteve-se atrás.
Actualmente há dois projectos nacionais que acompanho religiosamente e em que coloquei um balde cheio de fichas: Mirror People e Marta Ren & The Groovelvets. Antes de tudo por duas vozes femininas que considero serem as melhores e mais surpreendentes do momento; Marta Ren e, no caso dos Mirror People & The Voyager Band, de Maria do Rosário. E ambas vão além das vozes, mergulham na postura e presença quase perfeitas para encabeçarem estes... projectos.
Se Marta Ren já tem muito caminho para trás, desde os Sloppy Joe, mantendo-se quase sempre fiel a um soul-funk continuamente melhor tema após tema, já Maria do Rosário abraçou os Mirror People quase por acaso e pelo ouvido clínico de Rui Maia (X-Wife) o inventor de um projecto que, pelo feitio irrequieto de Maia, temo poder não resistir ao tempo. Mas Maria do Rosário resistirá, neste ou noutro modelo, é disso que precisamos.
Marta Ren e Maria do Rosário são, assim, as minhas apostas para um futuro próximo e risonho que nos fará acreditar que nem tudo é marasmo em tempos de projectos tão curtos como arrojados, muitas vezes demasiado curtos e arrojados para que consigam maturar e criar o suficiente calo no nosso ouvido.
Sobre o mais recente trabalho de Marta Ren & The Groovelvets, o "Stop, Look & Listen", o jornal Público dizia, há tempos, em título que "a soul de Marta Ren é suja, grande e gorda". Na verdade o processo criativo que envolveu a procura dessa sujidade, quase vinílica, foi moroso mas valeu a pena e culminou com um disco onde Marta mostrou que só há um caminho: a Daptone Records, ninho único da soul, tal como a BlueNote dá guarida ao jazz e a Deutsche Gramophonne acolhe a clássica - lembram-se das salvações chamadas 4AD, Factory e até Ama Romanta?. O "Stop, Look & Listen" é proposta regular nas rádios internacionais, sobretudo, as de raíz soul-funk, mas falta um raide aos EUA ou um nome-chave que a "adopte"; Charles Bradley seria o sonho.
Já "Voyager", onde nasce Maria do Rosário, é resultado da constante instabilidade de Rui Maia que, um dia, quis escrever músicas para a pista de dança; já ninguém as faz. Maria do Rosário foi a voz que ele precisava e depois de "Voyager", passou a ser a voz que os Mirror People precisam e nós queremos. Rui Maia não precisa que o adoptem, Maria também não, mas seria bom que, como Josh Stone e Norah Jones, os percursos não se perdessem, os projectos não se sucedessem de forma tão vertiginosa que deixassemos de dar por ela, algo difícil de suceder.
Tenho especial simpatia pela Marta Ren e, dentro do género, acho que Tamin Santos (Cais Sodré Funk Connection) e Mimicat também têm uma palavra a dizer :)))
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